O segredo de Pollock
Aug 10
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Raquel Pellicano
Existe uma mentira contada há 80 anos que todo mundo acredita. Sabe aquelas pinturas do Jackson Pollock, com tinta respingada e gotejada pela tela? O cara que supostamente "revolucionou" a arte moderna com sua técnica genial? Pois é. Essa história toda precisa ser recontada. Porque Jackson Pollock não inventou drip painting. Quem inventou foi uma imigrante ucraniana de 50 anos que morava no Brooklyn e mal falava inglês.
Imagine a cena: 1946, uma galeria sofisticada em Nova York. Jackson Pollock, já um nome em ascensão no mundo da arte, caminha entre as obras expostas quando para diante de algo que nunca tinha visto antes.
Tinta gotejada. Respingos organizados. Uma técnica que parecia capturar movimento puro na superfície da tela. Era exatamente o que ele estava procurando, mas não conseguia definir.
"Quem fez isso?", pergunta.
"Janet Sobel", responde o galerista. "Uma dona de casa do Brooklyn."
Pollock fica ali, hipnotizado. Ao seu lado, o crítico Clement Greenberg - que anos depois se tornaria o maior defensor de Pollock - também observa em silêncio. Ambos sabem que estão vendo algo revolucionário.
O problema é que a revolução não era deles.
obras de Janet Sobel
A verdadeira inventora
Janet Sobel nasceu Jennie Lechovsky em 1893, numa pequena cidade ucraniana. Aos 15 anos, emigrou com a família para os Estados Unidos, fugindo dos pogroms que mataram seu pai. Em Nova York, casou-se jovem, teve cinco filhos e dedicou-se integralmente à vida doméstica.
Até os 45 anos, arte era algo que não fazia parte do seu vocabulário.
Tudo mudou quando seu filho de 19 anos ganhou uma bolsa para estudar na Art Students League, mas decidiu não aceitar. Janet tentou convencê-lo a aproveitar a oportunidade. A resposta dele foi simples: "Se você tem tanto interesse em arte, por que não pinta?"
E ela pintou.
Sem formação, sem técnica, sem referências acadêmicas. Janet pegou os materiais que o filho havia deixado de lado e começou a experimentar. Colocava música - dizia que não conseguia pintar sem música - e deixava a mão fluir sobre a tela.
O resultado? Obras que anteciparam em anos o que seria considerado a grande revolução de Jackson Pollock.

O reconhecimento que nunca veio
Em 1945, suas pinturas chamaram a atenção de Peggy Guggenheim, a poderosa mecenas que estava moldando a arte americana. Guggenheim incluiu Janet numa exposição coletiva e, impressionada com o resultado, ofereceu-lhe uma exposição individual no ano seguinte.
Enquanto Pollock desenvolvia e expandia as técnicas que havia visto no trabalho de Janet, a própria Janet desaparecia silenciosamente da cena artística nova-iorquina.
Enquanto isso, a máquina publicitária americana estava construindo a lenda de Jackson Pollock. Cowboy de Wyoming. Rebelde alcoólatra. O gênio americano que reinventou a arte. A narrativa perfeita para vender arte americana ao mundo.
Essa história não é apenas sobre uma injustiça histórica. É sobre como o poder funciona no mundo da arte. Como certas narrativas são amplificadas enquanto outras são silenciadas. Como o "gênio" muitas vezes é construído não apenas por talento, mas por circunstâncias, conexões e - principalmente - pelo que a sociedade quer acreditar.
Foi nessa exposição que Pollock viu o trabalho de Janet. E foi lá que tudo mudou.
Clement Greenberg, anos depois, seria honesto sobre aquele momento: "Pollock e eu notamos uma ou duas pinturas curiosas... por uma pintora primitiva, Janet Sobel (que era, e ainda é, uma dona de casa morando no Brooklyn). Pollock (e eu) admiramos essas pinturas de forma meio furtiva... Foi a primeira coisa realmente 'all-over' que eu já tinha visto... Mais tarde, Pollock admitiu que essas pinturas causaram uma impressão nele."
A palavra "furtiva" diz tudo. Como se admirar o trabalho de uma "dona de casa do Brooklyn" fosse algo vergonhoso para dois homens importantes do mundo da arte.
Enquanto Pollock desenvolvia e expandia as técnicas que havia visto no trabalho de Janet, a própria Janet desaparecia silenciosamente da cena artística nova-iorquina.
Em 1946 - o mesmo ano em que Pollock viu suas obras - ela se mudou para New Jersey, onde o marido havia expandido os negócios. Sem carro e sem acesso fácil a Manhattan, Janet ficou efetivamente isolada do mundo da arte. Peggy Guggenheim, sua principal defensora, mudou-se para Veneza. O apoio crítico evaporou. E Janet, que desenvolveu alergia a alguns componentes das tintas, começou a pintar cada vez menos.
Enquanto isso, a máquina publicitária americana estava construindo a lenda de Jackson Pollock. Cowboy de Wyoming. Rebelde alcoólatra. O gênio americano que reinventou a arte. A narrativa perfeita para vender arte americana ao mundo.
Janet? Morreu em 1968, completamente esquecida. Hoje, uma obra de Jackson Pollock pode valer mais de 100 milhões de dólares. Suas pinturas estão nos maiores museus do mundo. Livros, filmes, documentários celebram seu "gênio revolucionário".
Janet Sobel tem duas obras no MoMA. Duas. A pergunta que não quer calar é: por que Janet foi apagada da história enquanto Pollock virou lenda?
A resposta é incômoda, mas óbvia. Janet era mulher, imigrante, sem formação acadêmica, sem as conexões certas. Pollock era homem, americano, com uma narrativa que vendia bem para a mídia. O mundo da arte não queria uma vovó ucraniana como símbolo da revolução artística americana. Queria um cowboy rebelde.
Essa história não é apenas sobre uma injustiça histórica. É sobre como o poder funciona no mundo da arte. Como certas narrativas são amplificadas enquanto outras são silenciadas. Como o "gênio" muitas vezes é construído não apenas por talento, mas por circunstâncias, conexões e - principalmente - pelo que a sociedade quer acreditar.
Quantas outras Janet Sobels existem por aí? Quantos outros pioneiros foram esquecidos porque não se encaixavam na narrativa oficial? A arte não existe no vácuo. Ela é moldada por poder, política, marketing e conveniência. E enquanto não reconhecermos isso, continuaremos perpetuando as mesmas injustiças.
Janet Sobel inventou uma linguagem artística que mudou o curso da arte moderna.
Merece ser lembrada não como nota de rodapé na biografia de Pollock, mas como a pioneira que realmente foi.
Merece ser lembrada não como nota de rodapé na biografia de Pollock, mas como a pioneira que realmente foi.
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